
Que o ser humano pode ser uma besta cruel e chega a doer até o ponto que isso se comprova verdade todo mundo sabe. Mas fazer um filme que dá muito prazer assistir a tanta estupidez é história para poucos. Como conseguiu o diretor argentino Damián Szifrón nesse Relatos Selvagens.
Uma película formada por 6 contos frenéticos, enxutos e sensacionais. Indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2015, já na abertura deixa o gosto de sangue se antever em nossas bocas e olhos vorazes por uma dose de violência quando mostra animais na natureza engalfinhando-se na sua vidinha sem compromisso obedecendo só a tal lei da selva.
O episódio inicial do avião pode ser livremente interpretado como uma armadilha de planta carnívora que atrai insetos e pequenos voadores para dali não sair mais. Atraídos por viagens gratuitas, os passageiros não imaginam onde meteram suas lindas asinhas.
No segundo relato, o ator Ricardo Darín dá seu costumeiro show como um engenheiro que leva o dia implodindo prédios tem seu dia de fúria quando se envolve na violência da burocracia que detona a todos com seus irracionais tentáculos. Se existe alguém que não teve vontade de explodir algo ao enfrentar filas, cartórios e carimbos que atire a primeira bomba.

Uma estrada sem movimento. Dois carros. Um, praticamente se dirigindo ao ferro velho, o outro com motor, design e motorista cheios de orgulho e potência. Um quer passar, o outro impede. Até que sem saber quem é caça e caçador a violência se acelera e ultrapassa limites. Episódio estonteante e final irônico.
Em outro conto, a presa enorme e também violenta é capturada no seu momento mais vulnerável: na hora de beber água. E se o sentimento de vingança envenena destilá-lo pode ser ainda mais devastador.
Um acidente de carro. E uma família rica alheia à guerra da sobrevivência das classes baixas tenta defender seu rebento usando o dinheiro: aquela arma capaz de deflagrar nossa natureza mais mesquinha e perversa.
Guarda-se para o final o melhor: em uma festa de casamento – e animais não costumam se dar bem com monogamia – o surrealismo, a comédia e o drama entram em cena mostrando que o sexo é nosso instinto mais animalesco e humano. Que para muitos não sobrevive em cativeiro e deve continuar, enfim, selvagem.
Um filme que, principalmente o roteiro, lembra como a espécie humana é capaz de parir obras divinas.

Leonardo Campos
Além de cinéfilo, atua há mais de dez anos como redator e diretor de criação no mercado publicitário do litoral mineiro (Juiz de Fora).